O Lobo da Estepe e as Memórias de um Suicida

O Lobo da Estepe e as Memórias de um Suicida

Data de Publicação: 1 de dezembro de 2024 10:19:00 Nos últimos anos, o aumento das dificuldades existenciais tem levado muitas pessoas a considerar o suicídio. Abílio Wolney reflete sobre esse tema à luz de duas obras marcantes: "O Lobo da Estepe", de Hermann Hesse, e "Memórias de um Suicida", de Yvonne do Amaral Pereira. Enquanto Hesse explora a luta interna de Harry Haller e a tentação do suicídio, Camilo Castelo Branco revela as consequências espirituais dessa escolha, convidando-nos a enfrentar os desafios .....

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 Nos últimos anos, o aumento das dificuldades existenciais tem levado muitas pessoas a considerar o suicídio. Abílio Wolney reflete sobre esse tema à luz de duas obras marcantes: "O Lobo da Estepe", de Hermann Hesse, e "Memórias de um Suicida", de Yvonne do Amaral Pereira. Enquanto Hesse explora a luta interna de Harry Haller e a tentação do suicídio, Camilo Castelo Branco revela as consequências espirituais dessa escolha, convidando-nos a enfrentar os desafios da vida e a buscar significado em meio ao sofrimento. (Antônio Oliveira)

 

Por Abílio Wolney Aires Neto*

Nos últimos dois anos, três pessoas conhecidas desistiram da vida, incapazes de lidar com os desafios existenciais. Esse fato me trouxe à memória dois livros que me marcaram profundamente: O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e Memórias de um Suicida, obra mediúnica de Yvonne do Amaral Pereira.

Publicado em 1927, O Lobo da Estepe é uma obra-prima literária que mergulha na psique humana, explorando o conflito interno de Harry Haller, um homem dividido entre sua natureza humana e sua dimensão selvagem, o “lobo”. O romance reflete as angústias existenciais de Hesse e propõe uma jornada introspectiva que dialoga tanto com a condição humana quanto com dilemas filosóficos. A luta de Haller entre a atração pelo suicídio e a busca por um sentido na vida estabelece uma conexão universal, oferecendo reflexões que permanecem atemporais.

Hesse apresenta o suicídio como uma “porta dos fundos”, uma metáfora para a saída diante de dores insuportáveis. Esse conceito, central na narrativa de Haller, ressoa com experiências humanas universais de sofrimento e com a busca por razões para seguir em frente, mesmo diante do desespero.

A visão de Hesse sobre o suicídio encontra eco no livro Memórias de um Suicida, no qual o escritor português Camilo Castelo Branco, por meio da mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira, narra as consequências espirituais dessa escolha extrema. Diferentemente de Hesse, que não recomenda, mas admite o suicídio como uma fuga possível, Camilo revela os bastidores do “Vale dos Suicidas” e enfatiza o impacto profundo dessa decisão, não apenas para o indivíduo, mas também para aqueles ao seu redor. Ele descreve a morte autoinfligida como “o jogo escuro das ilusões”, desmistificando a ideia de que ela possa ser uma solução definitiva.

Vale dos suicidas - A Divina Comédia - Dante Alignieri (Gravura de Gustave Doré)

Enquanto Harry Haller vê o suicídio como um alívio terrível e possível para o vazio existencial, Camilo mostra que essa “porta dos fundos”, longe de ser uma saída simples, leva a um ciclo de dores ainda maiores. A narrativa espiritual reforça a importância de enfrentar os desafios da vida, compreendendo que fazem parte de um processo maior de aprendizado e evolução, onde tudo possui um propósito superior dentro dos “soberanos códigos da vida maior”.

Haller, um homem culto e filosófico, reflete sobre a existência enquanto sente a tentação de desistir. Sua trajetória é rica em paralelos com histórias de pessoas que, em momentos de desespero, cogitam abandonar grandes sonhos. Seja estudar, viajar ou realizar projetos futuros, o suicídio, como metaforiza Hesse, interrompe as potencialidades da existência. Essa ideia é bem expressa nos versos de Cecília Meireles:

“Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa

Prá correr entre os canteiros e esconder minha tristeza

Que eu ainda sou bem moço prá tanta tristeza

E deixemos de coisa, cuidemos da vida,

Pois se não chega a morte ou coisa parecida

E nos arrasta moço, sem ter visto a vida.”

Camilo Castelo Branco amplia essa perspectiva, mostrando que, mesmo após a morte, os sonhos e projetos não se dissolvem, mas aguardam a superação de desafios não enfrentados. Em sua visão, os problemas se agravam com a interrupção abrupta da vida, retornando em forma de lições ainda mais difíceis em futuras existências.

Tanto Hesse quanto Camilo, cada qual em seu contexto, oferecem reflexões poderosas que incentivam a continuidade e o enfrentamento das adversidades. Enquanto O Lobo da Estepe explora os dilemas humanos de forma filosófica e literária, Memórias de um Suicida apresenta uma abordagem espiritual, mostrando que o sofrimento é parte de uma jornada maior de aprendizado e evolução.

Haller encontra na curiosidade pela vida um motivo para resistir. Da mesma forma, Camilo, do além-túmulo, afirma que, mesmo nos momentos mais sombrios, há razões para continuar, sejam elas espirituais ou existenciais. Ambas as obras convidam o leitor a refletir sobre o valor da vida e a necessidade de enfrentar as dificuldades com coragem, buscando autodescoberta e realização.

Distintas e complementares, O Lobo da Estepe e Memórias de um Suicida nos lembram que, mesmo diante da tentação da “porta dos fundos”, o desafio de viver é uma oportunidade única de transformação e crescimento.

 
 
 
 
 
 
*É natural de Dianópolis (TO),
Juiz de Direito em Goiânia, acadêmico de Jornalismo,
autor de 15 livros e membro  
da Academia Goiana de Letras.

 

 

 

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